quarta-feira, 19 de agosto de 2015

Tipicamente coxinha

Novamente um ônibus. Dessa vez executivo e a baixada como destino, linha ponta da praia, da expresso luxo. Canso só de lembrar o perfil de passageiros que tipicamente utilizam esta linha - que até "passa" pela rodoviária e centro da cidade, mas quer atender mesmo é estes que sonham em ser coxinhas de estufa de diamante e habitam a orla com seus jardins gourmetizado no babaca feudo santista.  Depois do motorista receber os passageiros e acomodar as bagagens, liga o motor e começa a sair da plataforma. Passa pela guarita da rodoviária. É liberado. Hastag partiu Santos. Tudo isso em longos dois minutos. Meio que após cumprir o beabá mediano das viações que descem a Serra, o motorista costuma iniciar os serviços que atraem a preferência. É quando ele liga o ar-condicionado e wi-fi ofertados para o selecionado público, ponto alto da satisfação e sentimento de buffet aquecido proporcionado aos seus clientes - só perde para as linhas matutinas que além destas iguarias costumam servir o jornal que absorve absorve o óleo da fritura, mantendo us coxinhas sequinhos e crocantes. Jornal que seca coxinha. Passa mó pano quando tá moiado. Se entendem. Se enfarinham. Enroscam.
 Tá tudo certo. Este início acontece lá pelo terceiro e quarto minuto de viagem. Ai os passageiros se assemelham a insetos. Se entorpecem e hipnotizam com o brilho e luminosidade que emana de um retângulo de luz que eles próprios sacaram das bolsas, bolsos e mochilas. À distância poderiam ser confundidos com vagalumes.
Já devia estar quase no quinto minuto de viagem quando um passageiro alterou o esperado. O motorista até lembrara de ligar o wi-fi, mas ainda faltava o ar-condicionado. Com a nutrição para o funcionamento de seus quadrados de luz garantida, os passageiros ainda nem deram pela falta deste outro serviço. Exceto um passageiro. Além do que, era começo de noite paulistana num inverno ameno. Entretando, indignado um sinhô se levanta. Corpulento, típico estereótipo de "portuga de padaria", bafeja resmungos, reclamações, raios e trovões incompreensíveis enquanto caminha de sua poltrona corredor meio do ônibus até o motorista. Antes de terminar seu longo trajeto de aproximados 30 segundos, Sinhô marca o último passo, mas não firma a pegada, recua. Reconhece o início do serviço que o entorpece, então retrocede. Efeito controlado pelo motorista, prestativo. Apesar disso sua inquietação havia chamado a atenção dos demais passageiros, que se distraiam com seus blocos de luz. Percebe que lhe fitam. Se sente acoado, coagido. Afeito a ser servido era um ultraje ele ter que levantar para solicitar um serviço ao motorista. Ter que pedir, reivindicar algo? Sonhava com a estufa de diamante, que declínio era este agora? Interrompeu sua reflexões quando o motorista, trabalhador coitado!, deu sequência a prestação dos serviços, a aliança se conservou. Retorna para seus assento, já que foi atendido antes mesmo de concluir a caminhada - de certo que a força de vontade e determinação lhe concederam este reconhecimento e premiação, como ele crê e se vê merecedor. 
Neste momento é que o olhar dos outros lhe incomodam mais. Foi surpreendido caminhando para pedir por algo - logo ele, que sempre trabalhou para merecer tudo o que tem! Devolve o olhar para as poltronas janelas e corredor começo de ônibus e enquanto retorna para seu assento medíocre torna a bafejar, indignado e odioso. Desta vez responsabiliza os ocupantes das poltronas iniciais, "todo mundo ai com calor, me olhando, mas ninguém se levanta!".Pobre passageiro! Achou que por estarem na mesma estufa, teriam as mesmas prioridades! Pior, achava que outros se mobilizariam para atender sua necessidade, julgando ser a de todos - "nem a negrinha reclamou!", pensou aturdido. Entretanto, era só ele quem estava com calor, os outros estavam mesmo é sem fio, bastava. Cativeiro cabô, sinhô! Sem falar que mesmo entre as coxinhas, meu caros, não há assim tanta coletividade, o cento juntinho, de uma vez, tá raro. Dizem que é a crise. Mas a venda avulsa vai de vento em popa, obrigada. Certamente cruzam novamente seus destinos e se agrupam em algum boteco blasé, dizendo que é impossível se agrupar. 
Nestas ocasiões, ai sim, preguejam quanto aos absurdos de terem que pedir algo. Não era pois, tudo deles? Só que, mesmo entre eles, é cada cachorro que lamba sua caceta. Seguiu esbravejando nos 30 segundos do retorno, como se os outros tivessem culpa por ele ter que se levantar enquanto podiam seguir sentados. Para ele, era um absurdo ter que agir "como as minorias", "tendo que lutar por coisas básicas". Sentimento de ojeriza ao perceber que pode acabar de fato nesta situação. Reação cultural dos que estão acostumados a serem servidos, se indignando por qualquer marolinha que impacte em suas tipificidades e privilégios. Se incomodam com a precarização. Mas não querem parecer precarizadas. Tampouco entender como ficamos assim. Simplesmente quer o que sempre teve ou acha que deveria ter. E logo.
Nisto já cravava uns seis minutos de viagem. Nos quarenta e quatro minutos seguintes o percurso seguiu quase como planejado. Não sei como foi o restante da viagem, a partir daí. Desci na rodoviária, rumo ao centro histórico e intencionalmente invisibilizado de Santos. Peguei essa linha de xereta, mesmo - uma das responsáveis pelo "quase como planejado". Mas provavelmente a entrega dos pedidos deu certo e foram entregues nas proximidades de estufas e buffets. 
Um deles tá até agora sem entender porquê tipicamente não teve tudo na bandeja. Ao menos ainda não era coxinha no copo. Mó viagi.

segunda-feira, 13 de outubro de 2014

"HORAÇÕES" de fim dos dias

Horas há em que já não há orações que alivie os arfares da gente,
Que alivie o suspiro lânguido que escapa da gente.
Horás há em que já não há sorrisos que alivem o sofrimento sentido pela gente,
Que alivie a dor aguda que desatina a mente
Horás há em que já não se conta o tempo
é muito, é pouco,
tempo há mais, tempo há menos
tempos amenos, amemos...
Horas há que minutos há que segundos há todo tempo existente:
sente-se cada instante como sendo eterno inferno intransigente
(...)
E já há tanto tempo, que de tanto tê-lo, uma hora cansa.
E a hora do descanço não está prevista nem agendada,
quem dessa porra se cansa, pára a valsa de dança marcada
cancela a música que o tempo, o ritmo e afinação já não alcançava
e prefere a surdez a ter de ouvir duras palavras
mas jamais o silêncio da injustiça que não aceitava
Suspende-se a dança, a música, as horas, os amores e pretensões encantadas
Quando não se vive no tempo da gente, a ação do outro é como adaga.

sexta-feira, 18 de julho de 2014

Gostos


Eu gosto desse teu riso bobo,
esse sorriso solto, esse sorriso largo.

Eu gosto é desse teu toque ingênuo,
tao sem pretextos, tão sem trajetos.

Eu gosto desse teu olhar morno,
tao aconchegante, tão intenso, tão indecifrável. 

Eu gosto desse teu pescoço,
dessa tua nuca, para meus afagos.

Eu gosto desse teu abraço,
onde me perco, onde me acho, onde me laço, onde me encaixo.

Eu gosto de você todo,
que despretencioso,  se espalha em minha arte (em toda parte).