sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Caro Bloínquês,

Em sua última carta, quisestes saber quem era a Joana, a mulher que atendeu meu telefone naquele dia. Acho que ela não é uma mulher que faz seu tipo, mas, vou contar-lhe quem ela é e daí você tira suas próprias conclusões....
Joana sabia que aquilo lhe acarretaria problemas, mas, não queria refletir muito sobre as consequências. Era impulsiva por natureza, agia assim desde o berço. Sua mãe sempre dizia que a filha “não tinha jeito”. E não tinha mesmo! Conversadeira, serelepe, ligada no 220, tinha assunto para conversar com todo mundo e sua conversa todos queriam “papo para afundar navio, derrubar avião e desenterrar mortos”, lembrava a mãe da Joana sempre censurando a menina e não sabia de onde a filha tirava tanta prosa para os amigos, os colegas, conhecidos e até estranho! “Foi a água de chocalho que você deu”, lembrava a Avó de Joana. Se reparassem bem, a menina parecia-se com a Avó, que sempre teve brios revolucionários. 
Na ditadura, além do recato que era de se esperar das mulheres daquele tempo e da obediência ao poder militar, Dona Nelli transgrediu todas as imposições, cantava na noite de São Paulo, suas canções eram ousadas, por sorte o censor não percebera o que suas letras denunciava do modelo autoritário, a sutileza de Nelli ao compor e cantar, era invisível à censura, mas, gritava para os oprimidos pelo sistema ditatorial. Tinha ideais feministas, libertários, revolucionário! Para uns era brilhante, para outros “uma perdida”. Mas, o “pior” ainda estava por vir: fora amante de um escritor comunista – escritor, comunista! - e acabou por ser mãe solteira, imaginam o que era isso lá pelos idos de 70? Pois Dona Nelli não se intimidou teve uma menina, Linalva, mãe de Joana, e seguiu sua vida como mulher independente! Mas, sempre foram vítimas do preconceito da sociedade, no que dizia respeito à família atípica que formavam. O escritor nem sabe que escreveu esse capítulo na vida de Nelli, logo, nunca assumiu a filha.
Linalva, tendo em vista tudo pelo que passou, acabou por se tornar tímida, ranzinza, mal humorada, repetiu a gravidez solteira da mãe, deu a luz à Joana e tornou-se novamente chacota da sociedade, motivo pelo qual sempre implicavam com a mãe e a filha. Joana, por sua vez, alegre, bonita e falante. Mãe criticando aqui. Avó incitando acolá e a menina seguia sem se deixar influenciar pelas mulheres da família. Mas todos já aguardavam o dia em que Joana ia aparecer “de barriga”, ainda mais porque a garota era faceira, faceira! Achavam que a popularidade da garota, logo chamaria a atenção dos garotos. E chamou.
Linalva trovejou como nunca, não queria passar pelos mesmos olhares inquisidores pelos quais já passara duas vezes – quando filha de mãe solteira e mãe solteira de filha - , assustava os rapazes, punha-se entre o casal, colocava condições e restrições para impedir o namoro... Não percebia que a menina estava tendo a sorte diferente da mãe e da avó, todos os rapazes que se interessavam pela buliçosa Joana, eram rapazes bem apessoados, sérios, que queriam compromisso, não tinha outros relacionamentos. Ao contrário dos homens com que Dona Nelli e Linalva se envolveram, ambas foram “a outra”. Mas, Joana, como não poderia deixar de ser, agia impulsivamente, e quando percebeu que seus esforços para impedir que a Mãe tolhesse sua felicidade e que sua Avó nada poderia fazer para ajudá-la, tomou a caneta e assinou seu destino.
Rubião era louco pela menina, a mimava com doces, flores, poemas rabiscados em papéis perfumados. Resistia à todos os ataques de Linalva esperava que, com o tempo, a pretendida sogra se tornasse mais flexível com relação à ele e Joana, e então, com apoio de Dona Nelli, que não se mostrava inimiga, mas, também, não tão aliada, pudesse conseguir o consentimento para se unir em matrimônio com a pequena serelepe. Mas, a menina faceira, não podia mais suportar as objeções da mãe! Poderia ter o destino diferente. Logo, conversando com Rubião, decidiram que forçariam a família à aceitar a relação de ambos, afinal, Linalva não poderia proibir Joana de se casar se ela estivesse...
Assim o jovem casal, antecipou a noite de núpcias e, no quarto da própria Joana, tiveram a nuance mais clara e brilhante do amor que sentiam um pelo outro. Rubião galgou o muro, atravessou o canteiro de flores e pulou a janela do quarto de Joana, dessa forma permaneceriam juntos naquela noite. Linalva e Dona Nelli, nada perceberam durante a aventura ardente do casal. Já o casal... não poderiam se dar por mais satisfeito! Joana regozijava o gosto do amor e sentia em seu gozo que se intento fora alcançado. Rubião estava confuso, deflorou sua amada e agora teriam mesmo que se casar. Não que não a amasse, mas, o desejo de sua família também era outro. Que importava? Agora teria sua própria família, isso sim que era importante!
Na manhã seguinte, bem cedinho Rubião saiu do quarto de Joana, assim como entrou: pulou a janela, atravessou o canteiro de flores, e já estava pisando o chão da calçada, quando percebeu que o observavam. Era Zuleide. Era muito velha, ninguém sabia muito bem precisar sua idade, mas, todos a conheciam e jamais duvidavam de sua palavra, o que não deveria acontecer, já que, era uma oportunista, mexeriqueira. Foi só perceber o desconserto do rapaz para concluir o que acontecera ali naquela casa. E viu que teria ali um afortunado lucro. O rapaz deu aquele risinho amarelo, sem graça e já ia virando a esquina, quando a velha Zuleide pigarreou, chamando a atenção do jovem. Olhou em direção da velha, e ela sorria para Rubião, um sorriso enigmático e banguelo em sua direção. Ele se voltou para seu caminho, e foi embora, a velha não o importunou. Não por muito tempo. No dia seguinte, um menino veio lhe entregar um bilhete, enviado pela velha Zuleide, chamando-o para ir à sua casa, pois precisava de ajuda com umas lâmpadas muito alta para que trocasse em sua avançada idade, tinha também os trilhos da cortina, já cheios de teias de aranha... O rapaz viu-se obrigado à ajudá-la, que mal isso lhe causaria? Além do mais, a velha sabia da noitada que teve com Joana. Não tinha prova nenhuma, mas, uma palavra sua e tudo poderia está perdido.
Dirigiu-se à casa da Velha. Zuleide o recebeu toda sorridente com seu sorriso desdentado, abriu passagem para o jovem entrar e tão logo ele entrou, cerrou a porta com a chave. Rubião olhou-a assustado. A velha sorriu-lhe novamente e sensualmente escondeu as chaves nos seios murchos e já sob efeitos da gravidade. Rubião olhou ao seu redor, procurando uma saída, percorreu o comodo com os olhos e percebeu que não havia janelas ali. A Velha sorrindo sem os dentes, informou, “aqui não há janelas como no quarto da menina da Linalva” começou lembrando-o que sabia do acontecido “Meu Pai era um homem esperto e quis evitar que eu acabasse como Dona Nelli, abandonada com barriga, nossa casa é à prova de rapazes do seu tipo”, Rubião empalideceu e tentou ser gentil, “Interessante , Dona Zuleide, minha Avó me falava de como eram as coisas no tempo de vocês. Não vamos contrariar os desejos de seu finado Pai, não é mesmo?”, arriscou. “Não mesmo! Sua Vó falou de mim para você é? Então deve ter lhe falado dos nossos calores, não? E meu Pai? Nunca desejei tanto contrariar suas vontades, agora aproxime-se de mim, pegue as chaves” e sacudia o busto “por causa de Papai, Nelli conseguiu o homem que eu queria”, prosseguia “bem feito, acabou buchuda e largada”. Rubião sentia-se cada vez mais acuado, sugeriu que poderia quebrar a porta para sair, ou sair pelo telhado, que ele não precisava importuná-la. “De jeito nenhum”, protestou a velha, “pode pegar, não é incomodo algum. Anda, pegue. Importune-me. PEGUE!”
Rubião queria contrariá-la, mas, a velha o tinha nas palmas da mão! Poderia além falar o que viu, espalhar que ele tentou seduzi-la, então estaria acabado, a cidade acreditava naquela velha! Não teve outra saída. A sorte é que a velha não tinha mais fôlego para diverti-se tanto quanto ele e Joana tiveram.
De noite, após o trauma, Rubião foi visitar sua amada. Decidiu que não contaria a ela nada do ocorrido. Não queria que ela pensasse naquilo como uma traição e depois, não poderia narrar o quão pavoroso foi a situação... Não, não podia contar nada à Joana. O que não foi problema, ele nunca precisava falar muito, Joana falava pelos dois. E já planejavam detalhes da vida à dois. Ou melhor, à três. Tinham, com certeza, algo que os unia.
No dia seguinte, novamente um bilhete na sua porta, agora outro menino. Dessa vez ele não atendeu. No outro dia, de novo. E de novo. E de novo. No quinto dia, resolveu que iria à casa da velha, mas, não teria nenhuma relação, não tinha cabimento aquele absurdo e ia mostrar que não se intimidava com o que Zuleide poderia fazer, ela não passava de uma Velha! Foi ai que ele provocou a onça! Ele não deveria ter usado aquela palavra. Se talvez tivesse usado 'idosa', talvez não tivesse irritado tanto a velha Zuleide. É que, como Zuleide havia dito, Nelli engravidou do homem que Zuleide amava, mas, a recusava, pois, naquele tempo, ela já era meio “madura”, já estava para “titia”, estava “velha” para casar e mais “velha” ainda para ser amante, recusava-a falando que ela era “velha”. Tinha raiva de Dona Nelli e sua família. E agora tinha raiva também de Rubião que despertava novamente nela esse sentimento esquecido, junto com a rejeição. Rubião foi embora, batendo a porta atrás de si. Mal sabia que batia a porta para o futuro tão sonhado! Foi para um bar, precisava pensar muito e beber um pouco. Enquanto ele pensava, Zuleide agia! Imediatamente foi à casa da família de Rubião, e relatou a seus pais o abuso que havia sofrido quando Rubião ofereceu-se para trocar a lâmpada de sua sala. A família do moço estava perplexa, não sabiam o que dizer. Como Rubião poderia ter feito isso? A Velha Zuleide negociou com a família e disse que “em consideração à amizade que tinha com a avó do rapaz” não daria queixa na polícia, mas que a família tinha que garantir que o rapaz iria embora. Não precisou pedir duas vezes! A Mãe de Rubião foi imediatamente fazer as malas do filho e o Pai comprou-lhe passagens para o exterior, aproveitaria para oferecer uma educação de primeiro mundo ao filho, para ver se ele “tomava jeito”. Quando chegou em casa, Rubião estava alcoolizado, havia bebido muito e pensado pouco. Assim mesmo o pai colocou o menino no carro e levou-o até o aeroporto, onde não queriam embarcá-lo, pois, Rubião estava visivelmente bêbado. A companhia não deixava . “Qual o problema em embarcá-lo? Não é ele que vai pilotar! Ele tem visto, passagens, valores...?”, argumentou o Pai do moço pagando uma “cafezinho” para os funcionários. Cinco minutos depois Rubião já estava dentro do avião.
Enquanto isso, Joana estranhava a ausência do namorado. Era dia de ele ir à casa dela, mas, ainda não havia chegado. Esperou o dia seguinte. E no outro. Quinze dias e nada. Resolveu ir à casa do rapaz. Agora tinha certeza que as núpcias antecipadas deram certo, sua regra estava atrasada.
Não havia ninguém da família em casa, quem lhe deu a notícia, foi Cleonice, a empregada diarista da família, “A pois você não sabe Joaniiiiinhaaaa???? Rubião tá lá pelas Europas estudando para virar 'dotô'”!
Joana, sempre falante, calou-se, agradeceu com um aceno a informação de Cleonice e foi para casa. Linalva já havia percebido que Rubião não voltava e o entristecimento da moça, mas, estava feliz até, pois, pensava ter garantido que o fim da sequência que rondava a família. Ela haveria de procurar um marido para a filha. Mas não foi preciso. Nem possível.
A sagacidade de Joana diminuía e sua barriga aumentava. Até o dia que não foi possível mais esconder nem necessário dizer nada. Todos poderiam ler em seu corpo o mesmo destino que acometera sua mãe e sua avó. Linalva cada vez menos ranzinza, com a ideia de um bebê no lar. Nelli cada vez mais alegre com a vinda de seu bisneto. Mas Joana, prosseguia sem sua prosa. Só aguardando o falatório dos vizinhos. Mas, não foi preciso. Algo chocou mais ainda a pacata cidade, Zuleide, uma das mulheres mais velha do bairro, que nunca havia casado, estava de barriga. Foi um prato cheio para as más línguas. E Zuleide não dizia quem era o Pai, viu? Dizem que a Família do pai da criança, até ofereceu-lhe um dinheiro para o aborto, mas, ela dizia-se “uma moça de valores”, não cometeria tal ato. E por um bom tempo, só falou-se nisso. Nem se preocuparam com o “estado interessante” de Joana. O de de Zuleide interessava mais. Não havia paz na casa da velha, agora desacreditada por todos. Não demorou muito e a família de Rubião partiu da cidade. Joana sobrevivia à toda aquela rejeição sem explicação. Linalva só lamentava o fato de “a praga”, como ela agora chamava o fato de serem todas mães solteiras, ter se tradicionalizado, grudado na família.
Ela só não sabia que no dia 11 de novembro de 2009, “a praga” seria interrompida. Joana dava luz à um menino, 3.625kg, 51cm, chamou-o de Rubens e logo sua família soube quem era o Pai. E que a saga terminava ali. Um menino! Um homem na família! Eram todas agora, de um homem só! Já Zuleide, estava numa situação difícil, em sua idade o parto era desaconselhado e muito raro a gestação. Os médicos não sabiam explicar o fato. Zuleide já estava na menopausa há décadas.... Apesar de toda dificuldade, a “mamãe solteira” dava luz a uma menina no mesmo dia que Joana. 2.900kg, 48cm, Rúbia. Ontem, os dois irmãos separados completaram o primeiro ano. Um aninho. Os dois já andam e falam algumas duzias de palavras. Rubens é mais ativo, puxou a mãe. Rúbia tem o jeito do pai. Não desconfiaram ainda de quem seria seu pai... Na verdade, Dona Nelli desconfia sim. Mas acha que isso era impossível, mas, e as coincidências...??
Preferia não investigar, afinal tinha certeza onde “a praga” tinha ido se instalar.
Ela quem me contou parte da história e como não tenho nada com isso, fiquei curiosa para saber se era verdade. Fui visitar Zuleide. A Velha não dizia nada sobre o pai da criança. Então eu menti, disse que a pequena Rubia, tinha o mesmo sinal que Rubens tinha no braço e que Rubião e seu pai também a tinham! Eu mesma havia visto! Então perguntei em tom indignado, como ela podia ter se deitado com o marido da filha de sua melhor amiga, já finada? Zuleide se irritou e mandou que eu me calasse, que eu não sabia de nada. Ela não se deitou com o genro de Candinha, mas, com o neto e que isso não era da minha conta. Só me narrou a outra parte da história para que eu não achasse que ela era “uma destruidora de lares”. Praguejou coisas contra mim, caso eu contasse para alguém... Por isso, veja lá em Bloínquês? Não vai sair falando quem é o pai da Rúbia, pelo amor de Deus! Às vezes, não tocar no assunto é a melhor coisa a fazer... Aliás, essa passou a ser a filosofia de Zuleide, da família de Rubião, do próprio Rubião e até Joana. Quando começaram a perguntar quem era o pai do menino. Joana estranhou, nunca teve Pai, Avô, tio... Sabia que tinha, mas, nunca sentiu a necessidade de conhecê-los. Eles haviam abandonado-as. Rubens, no futuro, também insistiria na pergunta. Sabia que esconder-lhe as coisas não era o melhor, ele bebezinho ainda, já era faceiro, buliçoso, ligado no 220. Mas, Joana era impulsiva, não queria saber das consequências... Não titubeou e aderiu a ideologia: Às vezes, não tocar no assunto é a melhor coisa a fazer, respondia a quem quer que a inquerisse!
E há quem diga, que em 2025, Zuleide de certo já terá morrido, mas, “já” será Avó. Isso, se sua filha não demorar tanto quanto ela....
Eu prefiro não tocar no assunto, só lhe contei para desencargo de consciência, estou confiando à você, só que se você falar que eu quem lhe disse essas coisas, eu nego, viu? Por isso não invente moda. Já tem um ano que descobri tudo isso e é melhor que ninguém mais descubra.

Saudações Fraternas,

Si-la-Brenda.

Um comentário:

  1. Achei super criativa tua história, é difícil encontrar contos assim pelos blogs. Ficou engraçado, me fez sentir raiva da Zuleide, me surpreendeu bastante *-*
    Parabéns (:

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